segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Diário de bordo - CINCO VEZES MÃE - 21/08/2008

Tarde de quinta-feira. Por volta das 14h30 partimos rumo ao município de Embu, localizado a 28 km da capital paulista. Havíamos marcado às 15h na sede da Associação de Amigos de Bairro Jardim dos Moraes, com o presidente Francisco Ribeiro de Souza. Conhecemos Seu Francisco por meio de uma amiga em comum de uma das integrantes do grupo. Neste dia, ele nos levaria até nossas possíveis personagens. Depois de alguns erros pelo caminho, chegamos com mais ou menos meia hora de atraso. Ele já estava a nossa espera.

Explicamos do que se tratava nosso trabalho, até então com o tema um pouco indefinido. Nessa data ainda estávamos procurando por famílias de classe sócio-econômicas distintas, de acordo com nosso projeto anterior. Passando por córregos, ruas repletas de crianças brincando e vielas estreitas, chegamos à casa de Dona Oscarlina.

O chão estava úmido e o odor de esgoto era muito forte. A casa fica bem próxima a um córrego. Na cozinha, pudemos sentir o cheiro de comida e observar o que havia restado do almoço. Com o sorriso no rosto, Oscarlina nos recebeu de maneira humilde, além de pedir desculpas pela bagunça do lugar. O espaço não tem janelas e, para entrar claridade, é necessária a retirada de uma ou duas telhas. No quarto, duas camas repletas de roupas e ursinhos de pelúcia espalhados entre as paredes e o teto.

E foi ali mesmo, durante mais de uma hora de conversa, que ela nos contou timidamente um pouco sobre as dificuldades que passou e que ainda passa para criar seus filhos. Foi mãe 13 vezes, e já perdeu oito filhos. Dilmara, uma de suas filhas acompanhou e também participou dessa pré-entrevista. Fomos embora com a promessa de voltarmos para a gravação, que Dona Oscarlina aceitou participar.

Durante a volta, perguntamos ao Seu Francisco se ele teria outra família para nos indicar. Nesse momento, ele apontou uma casa bem próxima de onde estávamos, dizendo que ali morava Luciana, uma mulher com uma história de vida “bem forte”. Não pensamos duas vezes e pedimos para conhecê-la. Seu Francisco entrou e falou sobre nosso trabalho para ela, que no mesmo instante aceitou nos receber.

Entramos por um portão de ferro e passamos por dois corredores apertados até chegarmos à casa de Luciana, a última que ocupava aquele mesmo quintal. O som de pagode ecoava alto de uma das residências. Entramos. As louças ainda estavam sem lavar na pia, um de seus filhos tomava banho e ela trocava as gêmeas. Sem se intimidar, Luciana começou a nos contar sua história. Falou sobre a perda de seu primeiro marido, pai de seus primeiros dois filhos. Ele foi assassinado. E, para nossa surpresa, sem mesmo nos conhecer, Luciana contou sobre o drama que viveu ainda na infância: foi abusada sexualmente pelo pai entre os sete e dez anos. Hoje ele está preso, graças a uma denúncia de Luciana, que há seis anos o viu abusando de uma menina de três anos.

Ela disse que gostou de nossa visita, que era bom ter com quem conversar e desabafar seus sentimentos. Hoje é mãe de cinco filhos: Alessandro, Juliana, Willian, Yasmin e Yngrid, frutos de três relações diferentes. Enquanto conversávamos, Willian gritava desesperadamente para a mãe pegá-lo no chuveiro. Agradecemos a atenção de Luciana, e saímos daquela casa com muitas dúvidas, entre elas a principal: qual família seria escolhida para fazer parte de nosso documentário?

Já de volta no carro, em meio ao trânsito de fim de tarde da Rodovia Régis Bittencourt, começamos a pensar em um elo entre aquelas personagens. Foi quando percebemos que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, elas eram mães. Uma nova idéia tomou conta de nossos pensamentos: por que não focarmos nosso documentário em algo ligado a maternidade? Naquele momento percebemos que muitas conversas ainda estavam por vir...

Juliana Rigotti